O amor é fodido

" Nascemos todos com vontade de amar. Ser amado é secundário. Prejudica o amor que muitas vezes o antecede. Um amor não pode pertencer a duas pessoas, por muito que o queiramos. Cada um tem o amor que tem, fora dele. E esse afastamento que nos magoa, que nos põe doidos, sempre a procura do eco que não vem. Os ecos que recebemos são bem-vindos, às vezes, mas não são os que queremos. Quando somos honestos, ou estamos apaixonados, é apenas um que se pretende. Tenho a certeza que não se pode ter o que se ama. Ser amado não corresponde jamais ao amor que temos, porque não nos pertence. Por isso escrevemos romances - porque ninguém acredita neles, excepto quem os escreve. Viver é outra coisa. Amar e ser amado distrai-nos irremediavelmente. O amor apouca-se e perde-se quando se dá aos dias e às pessoas. Traduz-se e deixa de ser o que é. Só na solidão permanece... O amor é fodido. Hei-de acreditar sempre nisto. Onde quer que haja amor, ele acabará, mais tarde ou mais cedo, por ser fodido".


Texto de Miguel Esteves Cardoso

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