Do gostar

Não é fácil gostar de alguém, mas quando se gosta, gosta-se e pronto, não há nada a fazer. Pensamos na pessoa o dia todo e olhando para o tecto perguntamo-nos onde estará a outra pessoa naquele exacto momento em que pensamos nela. Onde estás? Ontem pensei em ti, hoje também, ainda agorinha mesmo estava a pensar em ti, e andamos nisto. Gostamos de alguém, não me perguntem agora porquê porque mesmo que vos quisesse dizer nunca saberia a resposta. Eu não sei o porquê! As pessoas gostam de saber porque diacho gostamos nós de alguém e isto não é fácil de explicar. Convenhamos: vi-a uma vez, talvez duas, o que não é muito eu sei, mas por que raio tem de existir uma regra que implica vermos mais do que uma vez alguém para sabermos que gostamos dela. E depois, alguns puritanos perguntam-nos: “Ai sim, gostas dela, então de que cor são os olhos dela? Como é que ela se chama?” Como se ao não sabermos responder a qualquer uma das perguntas ficasse assim provado que não gostávamos desse alguém. Mentira. Quando se gosta quer-se que a pessoa de quem gostamos seja nossa, como se fosse um direito. E se estiver escrito em “Diário da República” tanto melhor. Algo como: “Declaramos para os devidos efeitos que a jovem etc. e tal é propriedade de ...., sua e apenas sua, seu grande malandro!”. As coisas infelizmente não são assim e já ninguém é de ninguém. Já ninguém dá a mão, na melhor das hipóteses faz-se um “leasing”, arrenda-se a mão ou coisa do género. Não gosto nada disto. O que eu gostava mesmo era de lhe perguntar: de quem são estas mãos? E ela dizer “São tuas!” De quem é esta boca? E ela responder “É tua!” De quem é este cabelo? “É teu.”Contudo, as defesas apoderam-se de nós, sentimos o ritmo cardíaco a aumentar e “ai a minha vida a andar para trás”, estamos com aquela pessoa de quem tanto gostamos e pensamos “não lhe posso mostrar que gosto já dela, senão está tudo estragado!” temos a oportunidade de estarmos juntos logo naquele dia e “ai que isto não é bem assim”.Talvez por isso eu não percebo este amor que pensa e reflecte. O amor, a paixão, o desejo – todos parentes próximos de uma mesma família – não pensam muito, porque não existe uma lógica, uma norma a seguir, um “agora temos de ir ao cinema, jantar, teatro, exposição” e “vê lá o que está a dar na televisão?!” e “olha que não sou dessas” e ainda dez mensagens por dia! Para mim basta-me saber que gosto – e gosto – e perceber que o meu corpo responde por mim – e responde. Não tem de haver pressa! – dizem alguns. Não tem? Ai não, que não tem! O desejo não me parece ser algo tranquilo, é exactamente o contrário, é stressadinho, saia da frente que tenho pressa! -, o desejo buzina ao cair do semáforo verde, é taxista em hora de ponta – saia daí senhor! -, quer passar à frente de todos tipo Chico esperto -, tem urgência em chegar, quer ser rápido para se manifestar junto de quem gosta. Quando gosto de alguém, não quero saber se aquele ou o outro acredita nisso, não me interessa até perceber se ela própria acredita. O que me interessa mesmo é que eu saiba isso – e sei – é que eu acredite – e acredito – e que seja verdade – verdadinha.


Texto de Fernando Alvim - In Metro

1 Whariúthinqs?:

At 7:08 da tarde Anónimo said...

Ele foi meu professor na Candido Mendes. Aliás, excelente professor!
Que Deus o tenha e ele leve ao céu muita paz!

 

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