Todos nós vivemos cercados por alternativas e pensamos frequentemente acerca do que poderíamos ter sido.
Bastava ter acertado naquele número e teria ganho o totoloto; Se tivesse aceite aquele emprego, terminado aquele curso, chegado antes, chegado depois... Se tivesse dito sim, se tivesse dito não, casado com a Pancrácia, feito aquilo…
Neste exacto momento, estou sentado no meu “Bar Imaginário” a encharcar-me de bebidas espirituosas para tentar esquecer tudo aquilo que não fiz. Acabou de se sentar um tipo ao meu lado e apresentou-se.
- Olá, eu sou tu, se tivesse arriscado a ser um dos melhores pilotos de Parapente do mundo.
Ele tem a minha idade e a minha cara. Apresenta também o mesmo desconsolo. Porquê? A sua vida não foi melhor do que a minha?
- Durante um certo tempo, foi. Cheguei a titular da selecção nacional. Fiz voos inesquecíveis em muitos países do mundo. Tinha uma vida fantástica. Até que um dia…
- Eu sei, eu sei… – disse alguém sentado ao lado dele.
Olhámos para o intrometido. Tinha a nossa idade e a nossa cara e não parecia mais feliz do que qualquer um de nós. Ele continuou:
- Tu hesitastes entre arriscar tudo e esquecer o teu sonho. Não arriscastes, caistes em desgraça, largastes o parapente e tornastes-te num reles empregado assalariado.
- Como é que sabes isso?
- Eu sou tu, se tivesse arriscado tudo. Não só arrisquei como tive sucesso. Fui aclamado de "herói". Num dos meus voos, hesitei entre correr riscos e não correr riscos. Como era um "herói", corri riscos desnecessários. Tive um acidente grave. Nunca mais consegui recuperar a confiança que tinha e limitei-me a ser um piloto regular e conformado. Deixei de sonhar alto, resignei-me e queixo-me da vida. Se não tivesse corrido riscos…
- Terias falhado na mesma e nunca terias atingido o teu sonho.
Quem falou foi outro sósia nosso, ao lado dele, que em seguida se apresentou.
- Eu sou tu, se não tivesses corrido riscos desnecessários. Não faria diferença nenhuma. Não serias um dos melhores pilotos de parapente do mundo. A minha carreira no voo livre continuou. Tornei-me cada vez melhor piloto, arranjei patrocínios que me permitiram dedicar o meu tempo à minha paixão. Com o tempo tornei-me instrutor e dediquei-me a ensinar aos outros tudo aquilo que aprendera. A certa altura a paixão transformou-se em negócio lucrativo e o prazer de voar desvaneceu-se…
- E o que aconteceu? – Perguntámos os três em uníssono.
- Lembram-se daquele acidente que aconteceu durante uma prova da Taça do Mundo de Parapente?
- Eras tu…
- Morri com 28 anos.
Bem que tínhamos notado a tua cara pálida!
- Pensando bem, foi melhor nunca teres arriscado a ser um dos melhores pilotos de Parapente do mundo…
- Foi bom não teres arriscado tudo e teres esquecido este teu sonho…
- Deves estar a brincar – disse alguém sentado à minha esquerda.
Tinha a minha cara, mas parecia mais velho e desanimado.
- Quem és tu?
- Eu sou tu, se tivesse perdido a paixão pelo voo.
Vi que todas as mesas do bar estavam ocupadas por versões de mim se tivesse perdido a paixão pelo voo, cada uma mais desiludida do que a outra. As consequências de anos de decisões erradas, fracassos e frustração. Olhei em volta. Eu lotava o bar. Todas as mesas estavam ocupadas por alternativas minhas e nenhuma delas parecia estar satisfeita. Comentei isto com o barman, que parecia ser a pessoa com melhor aspecto ali!
O barman acenou que sim com a cabeça, tristemente. Só então notei que ele também tinha a minha cara, só que com mais rugas.
- Quem és tu? – Perguntei.
- Eu sou tu, se tivesse casado com a Pancrácia :-)
- E? ...
Texto de Luís Fernando Veríssimo, “Versões”, do livro “Novas comédias da Vida Privada” (adaptado à uma realidade inventada por moi même).