Os mortos são felizes

Bem-aventurados os que vão para debaixo do chão, porque vão para uma transfiguração sagrada. Mal caem sobre eles as últimas pazadas de terra e o canto dos padres, bárbaro e dolente, se perde com o fumo dos círios, o corpo fica só na plenidão da noite e do silêncio perante a grande vegetação esfomeada, ele vai dar-se ali como pasto às bocas sinistras das raízes: ele amolece entre as humidades da terra e desfaz-se em podridões: então as raízes começam a sugar e a comer: a podridão transforma-se em seiva; a seiva sobe pelos troncos, estende-se pelos ramos, palpita selvajamente dentro da árvore, engrossa, fecunda, arredonda-se nas exuberâncias dos gomos, e abre-se depois em folhagens, em florescências e em frutos: e o corpo transformado vê outra vez o sol, as grandes poeiras, e sente os orvalhos, e ouve as cantigas dos pastores, e vive sereno, repousado, na floresta imensa.

Eça de Queirós, in 'Prosas Bárbaras'

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