Ironias dum Auto resgate simulado

A época de Kitesurf está a começar e fui participar na primeira acção de formação (em Portugal) de Auto resgate.

De forma a promover a segurança, pretendia-se testar e verificar a operacionalidade dos sistemas de segurança dos Kites e aprender (em caso de emergência) a voltar para a costa em segurança e/ou permanecer dentro de água com a situação controlada. Convém sempre prevenir em vez de remediar, caso aconteça um incidente (linhas partidas, falta de vento, mudança repentina da direcção do vento, kite furado, kite rasgado, cruzamento de linhas com outros dentro de água).
A acção de formação foi bem planeado e os mecanismos de segurança estavam presentes. Mas, tudo falhou devido a um enorme conjunto de variáveis. Aquilo que seria um mero exercício, acabou por se transformar num salvamento real e não simulado.

Tivemos um briefing em terra onde nos foram explicados todos os procedimentos que teríamos de efectuar durante a simulação de auto-resgate. Logo aí, começaram os primeiros problemas, pois chegou-se à conclusão que a maior parte dos kites apresentava um problema de afinação de origem. Seria difícil de controlar o Kite após activada a segurança dentro de água, pois este problema fazia com que o sistema de segurança ficasse descontrolado, como acabou por vir a acontecer. Felizmente o problema foi identificado e foi dito a todos os intervenientes para irem alterar a configuração dos seus Kites antes do exercício, o que nem todos fizeram!

O vento estava “off-shore” (a puxar para o mar) o que é sinónimo de … esquecer a pratica de Kitesurf nestas condições. Se o Kite cair ao mar, seria complicado (ou mesmo impossível) voltar para terra. Desta vez tínhamos um barco semi-rígido para qualquer eventualidade e por isso fomos para o mar. Seria apenas um exercício em situação real e controlada.

Nesta altura andavam vários windsurfistas nas ondas (um tanto ou quanto grandes). O barco estava a ser preparado para ir para a água e tudo seguia conforme o planeado. Fui para dentro de água com o colete salva-vidas, com o kite afinado e pretendia continuar a navegar (num mar muito agitado) até que o barco estivesse dentro de água para poder iniciar o meu exercício.

Entretanto, um kitesurfista (meu amigo) que tem mais vontade do que juízo veio logo atrás de mim. Não trouxe colete salva-vidas, não afinou o Kite (tal era vontade de ir para a água) e deixou cair o Kite exactamente na zona das ondas. Aparentemente pensou em começar logo ali o exercício, pois perdera a prancha e o Kite já estava na água. Soltou o sistema de segurança e começou a seguir todos os procedimentos de auto-resgate, mas sem sucesso, uma vez que o kite girava descontroladamente devido ao problema de afinação anteriormente identificado. Reparei que ele estava com problemas e fui para perto dele tentar ajudá-lo. Identifiquei o problema (que ele não corrigira em terra) que estaria a causar que o Kite girasse descontroladamente, puxando-o para mar alto. Sugeri-lhe que agarrasse o fio (5ª linha) para neutralizar o Kite. Com esta manobra, ele conseguiu chegar até ao Kite e sentar-se em cima dele. Entretanto, fui a terra avisar para trazerem o barco rapidamente pois ele andava à deriva no mar alto e cada vez mais longe da costa.

Nesta altura estavam a encher o barco semi-rígido, pois as ondas estavam demasiado grandes e com pouco ar existia o risco do barco se virar facilmente, o que viria a acabar por acontecer.

Voltei para junto do meu amigo de forma a marcar o local para o barco, pois o meu Kite seria facilmente visível a partir de terra e era apenas uma questão de tempo até o barco aparecer. O tempo foi passando e eu lutava para me manter a navegar em torno dele, pois seria a única forma do barco nos avistar à distância. O tempo foi passando e o barco não aparecia. Estávamos em mar alto a meio caminho do Farol do Bugio num mar revolto. Finalmente percebemos que a maré começou a encher e lentamente voltámos a ser arrastados em direcção a terra. Uma estranha corrente começou a puxar-nos para o Tejo (zona da Trafaria) e aumentaram as hipóteses de não termos de atravessar o Tejo todo à deriva.

Entretanto também tive de passar o meu colete salva-vidas ao meu amigo que (não tinha trazido um para ele). Nunca entrámos em pânico e mantivemos o bom humor, mesmo estando numa situação deveras complicada faziamos planos para atroplear um cacilheiro. Eu lutava para conseguir manter o Kite no ar pois era a única forma de marcar a posição dele e a qualquer momento poderia deixar a prancha para traz e arrastar-nos a ambos para terra com ajuda do Kite caso fosse necessário. Não podia de forma nenhuma deixar cair Kite, o que se tornava cada vez mais difícil no meio de tantas vagas enormes vindas de todo o lado e vento com rajadas cad vez mais inconstantes. Por diversas vezes pensei que aquilo ia terminar num salvamento de dois, em vez de apenas um, mas não poderia abandonar o meu amigo numa situação daquelas!

Aguardávamos o barco que tardava em aparecer e já em pleno Rio Tejo começamos a aproximar-nos dum pontão e ele lá conseguiu nadar até ao pontão. Não o pude ajudar a subir pelas rochas e dirigi-me para terra, de forma a abandonar o Kite e vir ajudá-lo! Ao chegar a terra vi o irmão do meu amigo a subir para o pontão. Quando baixei o Kite vi-os de pé em cima do pontão e finalmente ele estava a salvo. Cinco minutos depois, apareceu o barco, mas já estava tudo resolvido!

Mais tarde soubemos que o barco não conseguiu vencer (de forma nenhuma as ondas) e tiveram de retirar o barco da água e ir tentar entrar numa zona mais abrigada das ondas, em pleno Rio Tejo.

Ironicamente, isto passou-se durante uma formação para evitar exactamente este tipo de incidentes! Tirei muitas lições de tudo isto, mas a maior de todas é relacionada com a negligência generalizada em relação à afinação do material e às regras de segurança mais básicas que todos cometemos. O ano passado assisti a muitos salvamentos a Kitesurfistas inexperientes. A entreajuda entre praticantes tem evitado muitos incidentes graves. A época de Kitesurf ainda está no ínicio, mas já foram registados 3 acidentes (com fracturas graves e contusões). O Kitesurf é um desporto em grande expansão e nem sempre os praticantes conseguem ter a formação adequada. Esta acção de formação vai ser repetida e já estou inscrito na próxima! Confesso que pensava que seria muito mais fácil do que é na realidade executar uma manobra de auto-resgate!

Tudo acabou em bem e era capaz de ser coisa para um "case study"! :D

Aprendeu-se "buérérézinho" com os os erros do meu amigo. Para a próxima parto-lhe uma rótula para o manter afastado das ondas e das ideias brilhantes que o levaram a meter-nos nesta situação uma "becazecazinha" perigosa.

"There’s no complicated shit … like kitesurfing self-rescue shit". LOL

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